quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

MARLA







A porta do metrô abriu-se e ela surgiu numa cadeira de rodas. Devia ter vinte anos, corpo de 12, mente talvez de 0, ou nem isso. Seu irmão(?) empurrava a cadeira e sua mãe acompanhava logo atrás, com uma toalha e sacola. Toalha para enxugar sua baba, sacola contendo documentos e, o que viria a descobrir depois, fraldas plásticas (descoberta essa feita quando, num estado de abrupto agito, ela se mexeu na cadeira de rodas e um barulho plástico foi ouvido de suas partes baixas.
Uma coisa chamava atenção nela; seu olhar está estaticamente fixado num horizonte além das paredes de ferro do metrô e sua mão... sua mão... sua mão direito formava arcos... como explicar...bem, vamos lá... era como se ela fizesse como os diretores de cinema fazem para enxergarem um quadro antes de filmar tal idéia. Sua mão ia com muita dificuldade à frente de seus olhos tortos... sua boca aberta, emergindo um gutural barulho de AH AM HA AH AM HA... repetidamente... sua mãe tentando acalmá-la (era estranho que qualquer movimento além do olhar fixo e mãos e pés tortos e parados se, de repente começassem a demonstrar vida, os outros fizessem força para que ela se acalmasse... e se ela quisesse simplesmente se mover?);mas ela punha a mão tremendo à frente de seus olhos tortos e olhar fixo... ela gemia e tentava encontrar algo... o que se passava em sua cabeça? era incrível... as pessoas olhavam, mas eu, particularmente fingia não olhar, mas prestava atenção à qualquer movimento dela...

Seu nome é Marcela, mas, era chamada de Marla... num momento, numa época, em alguma idade não ouvida por mim, ela tentara pronunciar algo uma única vez... e a única coisa que ela conseguiu dizer em toda sua vida além dos guturais AH AM HA, foi seu nome, em sua linguagem... com suas possibilidades; MARLA.

Babou, foi limpada, foi segurada... mas sua mão... sua mão continuava a erguer-se e a mirar em frente a seus olhos. Seu horizonte parecia ir além das paredes de ferro... o metrô... o nada...

Ela devia viver numa angústia infinita... eu, em minha vida, em minha consciência, em meu lugar no banco marrom do metro, me sentia triste por ela...ela não viveria o que eu vivo e reclamo... seu corpo talvez, jamais será tocado por um amante insaciável... Marla não andaria de bicicleta... ela não teria ESSA vida... só a sua particular... só aquela vida que ela enxerga quando mira algo num horizonte além de paredes, ferros e toalhas para baba.

Chega na estação Ela, sua mãe e irmão desceriam na mesma que a minha.

A porta abre-se. Eu saio. Olho para trás.

Seu irmão a empurra e sua mãe a acompanha logo atrás.

Marla olha para algum lugar com sua mão logo à frente.

Ela jamais poderá viver a minha vida e, por Deus, jamais irei viver a dela.

A cadeira caminha com Marla numa pose de rainha em seu mundo particular.

Marla... Marla...

O metrô volta a seu curso. Desço a escada-rolante e venho trabalhar.

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